Uma Breve História de como Nasceu um Gigante

Todo incorporador gosta de chamar seus edifícios “Um Marco na Cidade”, um “Landmark” como dizem os americanos,  mas com o perdão dos meus colegas do mercado imobiliário, neste caso, realmente acredito que o B 21 é marcante em qualquer idioma, e mereceu essa distinção em muitos aspectos.  Gostaria de contar a história deste fantástico empreendimento, a partir de minha perspectiva pessoal. Essa é a breve (e muito resumida) história de um sonho, que certamente muito me marcou e marcou inúmeras outras pessoas que, no processo de moldarem esse ícone de São Paulo, foram moldadas por ele. 

 

Todo prédio resulta de um negócio, toda incorporação é resultado da busca de um resultado financeiro, mas não se faz um Ícone sem paixão, não se cria uma obra como essa sem outros motivos que ultrapassam o resultado financeiro. Por isso a história do Birmann 21,  é um thriller cheio de emoções.

 

Ao final de 1989, nós estávamos entregando a sede do Deutsche Bank, um imponente edifício com uma ampla frente para Marginal Pinheiros. Aquele edifício, naquela data,  quebrou todos recordes de preços na Marginal Pinheiros, tendo sido vendido a 4,300 dólares o m2, quase o dobro dos preços que havíamos projetado no início. Foi o pico daquele mercado e não creio que  aqueles recordes tenham sido quebrados. Foi um grande sucesso e como todo sucesso trouxe o desejo de mais, de um “encore” .

 

Naquela mesma época estávamos em negociações com Sr. Simão Hercowiks, dona da Companhia de Ônibus Santa Cicília, para comprar o terreno da sua garagem na Marginal Pinheiros, um terreno com 8 mil metros, esquina com a Rua Sumidouro, um nome pouco auspicioso que não diminuiu nossa ambição, nosso desejo voluptuoso desse negócio imobiliário.

 

O local, apesar de distante de outras áreas de escritórios era próximo da Nova Avenida Faria Lima, tinha uma linha de Metrô projetada na sua porta, e era central em relação aos bairros residenciais de alta renda de  Pinheiros, dos Jardins e do Morumbi. Completando tudo isso, o terreno possuía enorme frente com a Marginal Pinheiros, na época, o local mais quente em incorporação  de escritórios. 

 

Nosso desejo podia ser “ardente”, mas o preço foi  “um balde de água gelada”: 10 milhões de dólares pelo terreno. As negociações emperraram, estávamos em um beco sem saída. 

 

Em Janeiro de 90 toma posse o Presidente Collor, e, junto com sua ministra Zélia Cardoso de Melo, de desditosa lembrança, congela todos ativos financeiros do Brasil, num exercício de presunção demente, sem nenhum benefício ao país, mas que, por essas misteriosas conjunções do destino, nos ajudou a concluir a compra do terreno. 

 

No segundo semestre de 90, o Simão, aquela altura com a nova amizade já nos tratávamos com informalidade,  estava pronto a negociar. Fechamos um negócio por 6 milhões de dólares, parte em dinheiro parte em permuta no futuro prédio. A parte em dinheiro foi realmente difícil, pois naquele momento, depois da “mexida” da Zélia, o país todo estava “duro” (nós podíamos estar duros em outros momentos, mas naquele o Brasil todo foi solidário). Quando falei que queria  fechar o negócio, minha diretoria  só não me destituiu por que não tinha poderes para tanto, mas todos me chamaram de louco para baixo.

 

A Richard Ellis preparou um estudo de mercado sugerindo dois prédios menores, como forma de redução do risco e permitindo o faseamento das obras e do marketing. 

Não seguimos aquele conselho de prudência. Depois dos sucessos passados, só pensávamos em um grande “Landmark”.

 

Conspirou com isso o fato do Chase Manhatam, o banco dos Rockefellers,  estar ativamente procurando uma nova sede. Nada excita mais um incorporador que o nome Rockefeller com imagens de um Atlas dourado e patins no gelo.

 

Ao redor do terreno, completando a quadra, existiam cerca de 35 propriedades totalizando mais 7 mil metros de terreno. Decidimos comprar uma parte ou mesmo tudo. A quadra tinha moradores de 30, 40 e até 50 anos de residência. Todos diziam que não queriam vender. Todas nossas iniciativas foram infrutíferas e ao final de 1991, depois de um ano  sem haver comprado nenhuma casa, estávamos bem desesperados.

 

Chamamos nossa arma secreta- a Solange Trubiliano. Na época a Solange, que havia sido diretora financeira da Birmann, estava de licença e nossa estratégia foi colocar a Solange morando em uma das casas (que havíamos alugado) mas sem se identificar como representante dos interesses da Birmann.

 

A Solange atacou o problema de forma total, sem focar apenas em negociações de compra mas sim se tornando parte integral da comunidade, se relacionado com todos, resolvendo problemas pessoais  de cada um. Ela ia ao cinema com proprietários, levava alguns ao hospital, encontrou novas propriedade para serem adquiridas com os recursos das vendas. Comprou carros, caminhões e construiu galpões. Até mandou duas famílias para Disney World. O processo levou mais de 2 anos, findo os quais, a Solange havia comprado todo quarteirão, atingindo a surpreendente taxa de sucesso de 100%. Nem o “Garcia” fez tanto.

 

O quarteirão final possuía 15 mil metros e o custo total havia atingido 17 milhões de dólares pelo terreno. 

 

Em condições normais, para escritórios a área de coeficiente de construção permitida seria de 1 vez, ou seja 15 mil metros, mas com utilização da Operação Interligada, que permitia aumento da área em contrapartida a entrega de unidades habitacionais a prefeitura,  nosso projeto ficou com 33 mil metros de área útil e 70 mil metros quadrados de área total de construção. Nessa operação  Interligada  construímos e entregamos a prefeitura 363 casas populares a um custo adicional de 5 milhões de dólares. 

 

Nesse período, enquanto a Solange comprava os terrenos, nos avançávamos na elaboração e aprovação do projeto.  Na verdade entramos com o projeto na prefeitura sem termos todas propriedades adquiridas, mas como eram tantas escrituras nada foi percebido. Os arquitetos estavam super nervosos pois qualquer mudança na configuração do terreno, invalidaria todos os desenhos.  Quando finalmente chegou a hora de aprovar e registrar o memorial de incorporação, depois de muita tensão, preocupação e taquicardia (dos arquitetos é claro), tínhamos 100% das escrituras. 

 

Depois de muito estudar e apreender através do desenvolvimento de vários projetos de escritórios, o que se tornou nossa especialidade, desejávamos fazer algo especial, queríamos ir mais além. Perdoem-me os arquitetos brasileiros, mas precisávamos da enorme bagagem de projetos de um grande escritório americano. Sempre fomos muito criticados por contratar escritórios de arquitetura americanos, mas sempre achei que em tecnologia, artes, em conhecimento enfim, patriotismo é uma desculpa esfarrapada para atraso e corporativismo. 

 

Escolhemos Skidmore, Owins & Merril do escritório de  Nova York. David Childs, designer principal, que junto com Mustafa Abadam e TJ Gottesdiener cuidaram de nosso projeto.  Na parte de engenharia contratamos  Alex Weinberg, engenheiro, filosofo e poliglota,  que junto com Don Ross da Jaros, Baum & Boles nos guiaram pelo processo de criar uma prédio no estado da arte da engenharia. 

 

Como arquiteto brasileiro contratamos o saudoso Mauricio Kogan. Ele viveu intensamente todo processo mas infelizmente morreu meses antes do fim da obra. Fui para o céu, como ele mesmo sempre dizia, pois havia projetado 6 sinagogas sem nunca cobrar nada.

 

O processo de desenho do prédio foi, para fugir as hipérboles, intenso. Tivemos umas 30 viagens entre Nova York  e São Paulo, cada vez com muitos membros do time. Cada desenho, cada detalhe de engenharia era discutido por todos daquele time internacional, com o lado americano e o lado brasileiro. Além de ter sido um grande aprendizado que certamente transbordou para todo mercado em São Paulo, também era emocionante participar de algo daquele nível internacional. Era muito trabalho mas foram experiências que ensinaram muito a todos. Nosso time, entre Nova York e São Paulo, trabalhando junto com os profissionais mais conceituados do mundo, sentia uma grande satisfação profissional e pessoal, e isso refletia no estado de espírito das pessoas. Era bastante divertido, também.

 

Era uma chance única para cada envolvido naquele projeto, que estávamos elevando o padrão em todas áreas técnicas, de design, de engenharia de um projeto de escritórios 

 

A partir das nossas discussões iniciais, o Alex Weinberg preparou uma definição de critérios (design guidelines) que tocava em todos aspectos e especificações de um projeto desse tipo.  Alias levamos as especificações a um nível inédito na época para um edifício de incorporação: piso elevado em todo prédio, elevadores especiais de serviço e carga, pé direito livre de 2,75 metros, ar condicionado de volume variável, com uma fachada de granito e alumínio.

 

O design final do prédio continha uma torre de 26 nadares com uma estrutura de estacionamento separada com mais de 1100 vagas (suficiente ate para algum shopping center) e uma ampla área de convívio com “cafeteria”, restaurantes, “Health center” e um salão “multi-purpose” com portas tão grandes que foram usadas especificações de hangar de aviões.  Um detalhe pitoresco. Queríamos para o grande lobby do prédio, um piso com padrão bastante detalhado, “um tapete de mármore”, mas como o arquiteto não conseguia interpretar o que isso queria dizer, acabei sugerindo a ele que visse o padrão do piso do salão  de festas do…. desenho animado “A Bela e a Fera”. Deu certo. 

 

Assim, depois de haver tomado todas essas decisões como a de  fazer um único prédio, de comprar toda quadra, de elevar as especificações aos mais altos níveis internacionais, inéditos no Brasil, chegamos ao verdadeiro âmago da questão.

 

Capital escasso, sem financiamento a construção , juros de 30 a 40%, e nos tínhamos um projeto especulativo com orçamento de 75 milhões de dólares, sendo que 20 milhões já haviam sido aportados, alias  enterrados pois tínhamos um enorme buraco. Seria necessária muita criatividade para alavancar o projeto.

 

Naquela altura, 93, o Chase já tinha alugado outro prédio e não era mais um inquilino potencial para o B 21. Como consolo, pelo menos, eles alugaram o Birmann 10.

 

O que fazer com um projeto de escritórios especulativo e um buraco de 75 milhões de dólares? Em dezembro de 1994 vendemos 50% do prédio para Previ (fundo de pensão do Banco do Brasil). A Previ não se interessa por projetos especulativos, assim sendo, tivemos de dar uma garantia de locação de 2 anos. Estávamos tão acostumados com um mercado forte que aceitamos a obrigação e assumimos mais esse risco. 

 

Começamos a construir no mesmo mês de dezembro de 94. A obra demorou pouco mais de dois anos.

 

Em marco de 96, ao mesmo tempo em que terminávamos a estrutura, a fachada já estava quase completa, algo pouco usual nas construções brasileiras. Já era uma tradição nossa realizar um grande churrasco de Cumeeira, momento que se termina de concretar a última e mais alta laje, o cume do edifício. Até naquele churrasco nosso projeto ultrapassou os padrões anteriores. Foram quase 2 mil metros de área de “restaurante improvisado” no segundo andar do prédio e, naquele domingo,  o B 21 foi uma das maiores churrascarias de São Paulo.

 

Depois da cumeeira a CB Richard Ellis esquentou o processo de procura de inquilinos. E nos para reforçar o marketing, em novembro de 96,  realizamos o Segundo Salão de Escritórios de São Paulo, em parceira com a Revista Carta Vogue. Alguns anos antes havíamos feito o 1º Salão de Escritórios no B 20, com dois andares de exposições. Desta vez, foram 7 andares de espaços decorados por mais de 100 arquitetos e decoradores, com mostras de fornecedores de equipamentos, moveis etc. Tudo que pudesse ser de interesse para escritórios. Tivemos mais de 12 mil visitantes pagantes. 

 

Naquele momento tínhamos uns 20 mil metros em sérias negociações com diversos  grandes nomes: Johnson & Johnson; Salles; Young & Rubican; Brasmotor; e muitos outros, mas alguns dias antes do Salão, iniciamos negociações com o grupo Abril que acabou pro alugar todo prédio. Contrato de 15 anos por um milhão de dólares por mês.  

 

Nada mal. Só que como todo incorporador (quase todos) precisávamos do capital empatado para novos projetos e tivemos que vender o resto do prédio que ainda era nosso para Previ, que então ficou com 100% do prédio.  Um grande ativo e certamente o “Flagship” do portfolio imobiliário deles

 

Depois de 7 anos, muita luta, muita determinação, erguendo-se como um ícone de concreto, ferro e granito, ali estava, como uma seta apontando para as estrelas, para o céu sem limites, a resultante incontestável de uma modernidade sonhada e alcançada. Havíamos construído um marco de engenharia, design para o mercado de escritórios, para o orgulho de todos envolvidos.  Havíamos moldado um prédio e o prédio havia nos moldado de volta. Ele cresceu, nós crescemos. 

 

Entregar o nosso prédio foi difícil como ver um filho crescido ir embora. Nosso prédio, sim pois apesar de vendido, ele era nosso prédio, e nos separamos dele e o vendemos, com um misto de orgulho e euforia, mas depois ficamos com o gosto da saudade e, um pouco, de tristeza. 

 

No final, o prédio ficou para cidade, ficou na paisagem, ficou nas lições.

 

Agora, olho o que passou na evidente perspectiva do espelho retrovisor, e vejo a lição:

 

Assumimos riscos para lá da fronteira entre a ousadia e a temeridade. Mas o destino nos concedeu condições de mercado extremamente favoráveis, e, pelo menos naquela volta da história, fomos poupados. 

 

Hoje, tomaria outras decisões, seguiria outros caminhos. Há, no entanto, algo que repetiria sem nada mudar: mais uma vez assumiria o mesmo comprometimento irrestrito e apaixonado com a alta qualidade do design, da engenharia, das especificações e de todo projeto.  Somente assim nascem prédios como o  Birmann 21. 

 

E viver para ver vale o sacrifício. 

 

(…as vezes …)