- dezembro 4, 2020
- postado por: admin
- Categoria: Pessoal
Há 23 anos, através da Fundação Aron Birmann, mantendo um parque público, e sempre sou questionado a respeito de minhas “reais” motivações. “Qual a razão de fazer a gestão de parques públicos por meio de entidade sem fins lucrativos, sem interesse econômico? O que se esconde aí, o que está por trás?”
Minha mãe, absolutamente lúcida aos 86 anos, me diz toda vez que nos encontramos: “Rafael, esse assunto de parques só vai te trazer trabalho e problemas. Vai cuidar dos teus negócios que eles estão precisando”. Quando minha mãe fala, é bom você refletir, porque a velha tem uma intuição sobrenatural. Acerta tudo, sempre.
Então, o que existe por trás disso, qual a razão do meu interesse? Posso dizer o que não é. Não é, como muitos dizem naquela frase – “Faço para devolver a sociedade o que recebi “. Nunca tomei nada indevidamente para ter que devolver. Devolver é para quem pegou sem pagar. Nunca fiz isso. Agradeço, sim, ao meu pai, a quem devo tudo o que sou.
Voltando a questão – Por quê? Creio que começa por meu acreditar nas cidades. Nós não apenas vivemos nas cidades, nós florescemos nas cidades. Elas são o meio ambiente dos humanos. Somos indivíduos, mas só prosperamos em sociedade. É nas cidades, onde o caos, provocado por muitas pessoas concentradas em pouco espaço físico, catalisa reações, interações e conexões. Nessa massa crítica da demanda e da oferta que só a densidade cria, nesse caldeirão de oportunidades que brota das interações, somos mais criativos, mais produtivos, mais livres, mais do que a soma de cada um e cada um mais do que poderia ser sozinho. E ainda por cima, somos mais felizes imersos na multidão das cidades. Acredito nas cidades, acredito nos homens e acredito em um futuro melhor, urbano, humano, equilibrado e, por que não, feliz.
Cidade é essa fantástica criação sem criador, esse fruto de um caldo evolutivo sem “inteligent design” e muito menos “bureaucratic design”. É a maior criação dos homens, mas não é criação de homem nenhum, muito menos de um acadêmico ou arquiteto cheio de certezas, com verdades de um shelf life de bananas. Cidades são o resultado da poeira dos séculos, dos caminhos no barro, das pedras cortadas e assentadas dando forma a casas e prédios e, principalmente, das pessoas com suas ideias em infinitas interações nas casas, nas ruas, nas praças e mercados.
E os parques? Eles fazem parte das cidades bem-sucedidas, de um urbanismo que começamos a resgatar do intervencionismo do século 20. Também acredito que exista, contido nos parques, de forma latente, um leque enorme de oportunidades, de possibilidades, de forças, para tornar as cidades mais humanas. É hora de um novo modelo de gestão de parques, de rever a relação da sociedade com seus espaços públicos, de uma maior sustentabilidade económica e social, menos dependente da intermediação governamental e dos recursos fiscais. É tempo de uma cidadania com menos direitos e mais feitos, com menos reclamação e mais ação e participação.
Também acredito em fazer o mundo melhor. No judaísmo existe um conceito – “Tikun a Olam”, arrumar o mundo. Segundo os rabinos, o mundo está incompleto, devemos terminar a obra. Aliás, como as cidades, que sempre serão obras incompletas. Há também um conceito da Grécia antiga, expresso no juramento dos efebos, onde eles recitavam – “…prometo deixar minha cidade melhor do que aquela que recebi”.
São valores que abraço, não por obrigação, mas por opção. É o caminho que minha consciência individualista escolhe seguir e no qual eu sigo assobiando satisfeito.
Então, qual a conclusão? Ora, nada mais satisfatório do que trabalhar com algo que você ama, ligado à sua cidade. Como poderia perder essa oportunidade? Nada mais cativante do que participar da discussão de um urbanismo de pessoas, das oportunidades dos parques e dos espaços públicos, dos valores éticos da cidade alta. Tudo isso é ainda mais gratificante por que me sinto pronto, com minha experiência de mercado imobiliário e de gestão de parques, para participar desse projeto fantástico, um trabalho impactante e significativo e ainda por cima, divertido.
Ou seja, por detrás da dita filantropia talvez exista sim algo mais. Talvez o fundamento de tudo não seja a virtude, mas o pecado – o velho pecado do orgulho.
Ou talvez, por trás de tudo, exista realmente uma motivação fundada no interesse próprio e no lucro. Um interesse por uma cidade humana, digna e livre e ainda alegre, melhor para viver e uma ambição desmedida pelo lucro, um lucro imaterial, rico de sonhos, de satisfação e de realizações, lucro para guardar não no cofre, mas na alma.