Por uma Ética Urbana

Somos, cada vez mais, um mundo de cidades e o futuro da humanidade é urbano.

 

Como uma reação às cidades distópicas da Revolução Industrial, no século XIX, embarcamos nas visões anti-urbanas e automobilísticas, da utopia modernista. Hoje, porém, revalorizamos as ruas, a densidade, as cidades. O inchaço urbano multiplica os desafios e o foco atual é como fazer as cidades mais humanas neste futuro mais urbano.

Mas quem faz as cidades? São quatro os atores, na minha ótica. O “Governo” que constrói a infraestrutura e os prédios públicos, faz e aplica as leis que regulam as cidades; a “Academia”, aí incluídos arquitetos, engenheiros, consultores e tantos outros, que propõe soluções e desenha a cidade. Já a “Sociedade Organizada”, cada vez mais, pressiona, exige, briga, e questiona tudo o que se faz; e finalmente os construtores, incorporadores e afins, que são aqueles que investem, vendem, constroem, e, acabaram conquistando a infeliz primazia na culpa pelas mazelas da cidade.

 

Na verdade, somos todos responsáveis. Acusar os “Construtores”, de especuladores, que não atendem às necessidades da habitação, obcecados por lucro, é demagógico. Cadê os outros? O “Governo” tentando tutelar a todos, faz demais sem fazer nem suficiente nem certo; a “Academia” não encontra, em suas utopias, a saída para realidade e a “Sociedade Organizada” muitas vezes, não aceita no seu quintal o que exige para a cidade. A falta de habitação, o trânsito infernal, a insegurança, etc….são problemas complexos que não merecem, além de tudo mais, ser vítimas da guerra entre “nós e eles”.

                        

O mercado imobiliário investe por resultados, busca seu interesse próprio, aliás, como qualquer pessoa. O interesse próprio é a essência do instinto de sobrevivência. O lucro e a propriedade privada são grandes motivadores, mas, os homens são multidimensionais, têm outras ambições, outros interesses além do econômico. Querer uma cidade melhor, para si e para todos, também é interesse próprio.

 

Todos já acatamos a função social da propriedade, obedecemos às leis de uso do solo, as leis ambientais e todo emaranhado legal e normativo que rege, até as minúcias, a construção. O estado de direito é um pré-requisito básico para realização de qualquer negócio, imobiliário ou não, mas a ânsia regulatória da burocracia hipertrofiada sufoca muitas soluções.

 

No entanto, apesar da regulamentação excessiva e contraproducente, mais uma, talvez, seja necessária – uma auto-regulamentação, os “dez mandamentos”, um “juramento de Hipócrates”, enfim uma ética urbana, regrando o comportamento dos agentes do mercado imobiliário.

 

Na ética judaico-cristã, a regra de ouro é “Não faça aos outros o que não quer que seja feito a você”. O princípio da ética urbana poderia ser “Não faça da cidade um lugar onde você, e todos demais,  não gostaria de viver”.

 

Quais seriam estas regras? Uma seria olhar além das divisas do terreno, pensar no contexto urbano. Outras? Preservar o espaço público. Nem todo terreno pede um projeto imobiliário. Nem todo bom  negócio é bom para cidade, que tem tantas outras dimensões a preservar – a paisagem, a cultura, a história, os espaços públicos e a urbanidade.  Precisamos explicitar quais seriam as regras de uma Ética Urbana.

 

Mas não será um mero “construtor de apartamentos” que resolverá os gigantes problemas da cidade. Isso é dever de todos e não pode recair sobre os ombros de uns poucos. Para avançar nessa discussão, precisamos todos agir, rever posições, buscar convergências, abrir horizontes. Para os “construtores”, minha proposta é que se defina, em termos claros, qual é o seu compromisso com “uma cidade melhor”.

 

Num cenário de litígios crescentes, insegurança jurídica e aumento do envolvimento da sociedade na aprovação dos projetos (inclusive na fase pós-aprovado), é premente um posicionamento claro e transparente.

 

A discussão sobre o futuro das cidades não pode prescindir do governo, da academia ou da sociedade organizada, óbvio. Mas também não pode prescindir dos “construtores”, do “mercado”, por todo seu envolvimento direto na construção de habitações e nas transformações da cidade, por seu foco na realidade concreta. Mas para que o setor tenha credibilidade na defesa de seus pontos de vista, para que consiga se fazer ouvir nesta discussão, é preciso falar sobre muito mais do que geração de emprego e crescimento econômico, precisamos falar mais do que apenas da realidade concreta, econômica. Precisamos falar, e em voz alta, dos valores éticos que defendemos e o que almejamos para nossa cidade.

 

Um enunciado formal, uma definição clara do que compõe uma Ética Urbana proposta pelo mercado imobiliário nos ajudará a defender a cidade que desejamos, a estabelecer critérios objetivos para sermos julgados e, por fim, irá nos credenciar como interlocutores essenciais nessa discussão sobre o futuro das cidades.